O TEXTO A SEGUIR É O MANIFESTO COMPLETO DE ELIAS RODRIGUEZ, AUTOR DO ATENTADO QUE CEIFOU A VIDA DE UM CASAL DE FUNCIONÁRIOS DA EMBAIXADA DE ISRAEL, NOS EUA. Saiba mais sobre o incidente clicando aqui.
"Halintar é uma palavra que significa algo como trovão ou relâmpago. Após um ato, as pessoas procuram um texto que fixe seu significado — então aqui está uma tentativa.
As atrocidades cometidas por israelenses contra a Palestina desafiam a descrição e desafiam a quantificação. Em vez de lermos relatos, na maioria das vezes assistimos aos acontecimentos se desenrolarem em vídeo — às vezes, ao vivo. Após alguns meses de uma escalada vertiginosa no número de mortos, Israel destruiu até mesmo a capacidade de continuar contando os corpos — o que tem servido bem ao seu genocídio.
No momento em que escrevo, o Ministério da Saúde de Gaza registra 53.000 mortos por força traumática, pelo menos dez mil estão sob os escombros, e ninguém sabe quantos milhares mais morreram por doenças evitáveis, fome, com dezenas de milhares agora em risco iminente de inanição devido ao bloqueio israelense — tudo isso com a cumplicidade de governos ocidentais e árabes.
O escritório de informação de Gaza inclui os dez mil sob os escombros na sua própria contagem oficial. Há meses os noticiários mencionam esses “dez mil” sob os escombros — apesar da contínua produção de mais ruínas, do bombardeio repetido dos escombros, e do bombardeio até mesmo de tendas montadas entre os escombros. Como o número de mortos no Iêmen, que ficou congelado por anos em “alguns milhares” sob o bombardeio saudita-anglo-americano, antes de ser revelado tardiamente que eram 500 mil mortos, todas essas cifras são quase certamente uma subnotificação criminosa.
Não tenho dificuldade em acreditar nas estimativas que colocam o número de mortos em 100.000 ou mais. Mais pessoas foram assassinadas desde março deste ano do que nas operações “Margem Protetora” e “Chumbo Fundido” somadas. O que mais se pode dizer, neste ponto, sobre a proporção de corpos mutilados, queimados e explodidos que eram de crianças?
Nós, que deixamos isso acontecer, nunca mereceremos o perdão dos palestinos. E eles já nos deixaram isso bem claro.
Uma ação armada não é necessariamente uma ação militar. Na maioria das vezes, não é. Costuma ser teatro e espetáculo, uma qualidade que compartilha com muitas ações desarmadas.
Os protestos não violentos nas primeiras semanas do genocídio pareciam sinalizar algum tipo de ponto de inflexão. Nunca antes dezenas de milhares se juntaram aos palestinos nas ruas do Ocidente. Nunca antes tantos políticos americanos foram forçados a admitir — ao menos retoricamente — que os palestinos também eram seres humanos.
Mas, até agora, a retórica não se traduziu em quase nada. Os próprios israelenses se gabam de seu espanto com a liberdade total que os americanos lhes deram para exterminar os palestinos. A opinião pública se voltou contra o estado genocida e de apartheid, e o governo americano simplesmente encolheu os ombros. Farão sem a opinião pública, então. Criminalizarão onde puderem. Onde não puderem criminalizar, sufocarão com promessas insípidas de que estão “fazendo tudo que podem” para conter Israel.
Aaron Bushnell e outros se sacrificaram na esperança de parar o massacre, e o Estado trabalha para nos fazer sentir que o sacrifício deles foi em vão — que não há esperança em intensificar a luta por Gaza, que não vale a pena trazer a guerra para casa.
Não podemos deixá-los vencer. Seus sacrifícios não foram em vão.
A impunidade que os representantes do nosso governo sentem ao colaborar com esse massacre deve ser desmascarada como ilusão. A impunidade que vemos é ainda pior para aqueles de nós que estamos em proximidade imediata com os genocidas.
Um cirurgião que tratou vítimas do genocídio maia perpetrado pelo Estado da Guatemala relata um caso em que ele estava operando um paciente gravemente ferido durante um massacre, quando homens armados invadiram a sala e mataram o paciente sobre a mesa de operação, rindo enquanto o faziam. O médico disse que a pior parte foi ver os assassinos — bem conhecidos por ele — desfilarem livremente pelas ruas locais nos anos seguintes.
Em outro lugar, um homem de consciência tentou uma vez jogar Robert McNamara ao mar, de uma balsa rumo a Martha’s Vineyard, revoltado com a mesma impunidade e arrogância que via naquele açougueiro do Vietnã, sentado no salão da balsa rindo com amigos. O homem se incomodava com a própria postura de McNamara, que dizia: “minha história está em paz, posso me recostar num bar assim, com meu bom amigo Ralph aqui, e vocês que se conformem.”
Ele não conseguiu jogá-lo no mar — McNamara agarrou-se ao corrimão e voltou a se levantar — mas o agressor explicou o valor do gesto dizendo:
“Bem, tirei ele lá pra fora, só nós dois — e de repente a história dele já não estava tão em paz, né?”
Uma palavra sobre a moralidade da demonstração armada. Aqueles de nós que se opõem ao genocídio sentem certo consolo em argumentar que os perpetradores e seus cúmplices perderam sua humanidade. Eu simpatizo com esse ponto de vista e entendo seu valor para aliviar a psique de quem não consegue suportar os horrores que testemunha — mesmo que através de uma tela.
Mas a desumanidade há muito se revelou escandalosamente comum, banal, prosaicamente humana. Um perpetrador pode ser um pai amoroso, um filho dedicado, um amigo generoso e caridoso, um desconhecido simpático, capaz de força moral às vezes, quando convém — e até quando não convém — e ainda assim ser um monstro.
A humanidade não isenta ninguém da responsabilidade.
Essa ação teria sido moralmente justificada há 11 anos, durante a operação Margem Protetora, por volta da época em que eu pessoalmente me tornei agudamente consciente da nossa conduta brutal na Palestina. Mas creio que para a maioria dos americanos, uma ação assim seria ilegível, pareceria insana. Fico feliz que hoje, ao menos, muitos americanos enxerguem essa ação como altamente legível — e, de certa forma, a única coisa realmente sã a se fazer.
Eu amo vocês, mãe, pai, irmãzinha, o resto da minha família — inclusive você, O*****.
Palestina Livre.
— Elias Rodriguez"
ca-ra-lho